Nem Ayrton Senna, nem Macunaíma: Rui Barbosa

Mais um excelente e inspirador artigo de Gustavo Ioschpe na Veja: Por que somos tão pouco ambiciosos?

Acompanho Gustavo Ioschpe há anos e já adianto que discordo de algumas ideias que divulga, por outro lado acho ridículos comentários do tipo "concordo em gênero, número e grau".  Se um texto não nos acrescenta nada, de que nos serve?

Entre outras colocações, o artigo defende que as políticas públicas para a educação no Brasil sejam mais ambiciosas: com isso concordo plenamente. As metas estipuladas até 2022 são uma piada! Um prazo tão longo sugere talvez que as nossas crianças sejam retardadas?? Aliás, de vez em quando são divulgados "estudos" segundo os quais os alunos brasileiros não aprendem por desnutrição, ou por pertencerem a famílias "desestruturadas", ou por qualquer outro motivo que isente o profissional da educação e o poder público de qualquer responsabilidade. Nossas crianças não são retardadas, retardado é um sistema educacional que, claramente, privilegia o ensino básico privado, ao manter a rede pública em condições gerais precárias, sem política educacional unificada, com eterna dança das cadeiras de diretores de escola (muitos eleitos politicamente), com supervisores de ensino e secretários da educação claramente manipulados pelos sindicatos, que cobram a contrapartida pela "ajuda" nas campanhas eleitorais... Não se engane, você que é mãe ou pai de aluno de escola pública: todo esse pessoal que "luta" pelo ensino público tem seus filhos estudando na rede privada e não se esqueça de que a sociedade brasileira ainda está muito longe de abandonar a "lei de Gérson".

Como sempre trazemos aqui, pipocam no pais inteiro ilhas de excelência que mostram como seria fácil alfabetizar a maioria dos alunos na idade certa: leia clicando aqui, aqui e aqui. O que falta então, para tomar medidas enérgicas que façam o ensino público dar um salto de qualidade? Gustavo coloca muito bem que nossos professores descreem de seus alunos: somente 7% acreditam que seus alunos chegarão à universidade, segundo questionário da Prova Brasil 2009. Não é necessária pesquisa para saber da descrença do professorado: eles próprios conhecem sua incompetência, embora prefiram atribuir o fracasso aos alunos. Por outro lado, já que não há projeto nacional unificado e as faculdades de pedagogia são fracas, cada um se sente à vontade para ensinar "do seu jeito", o que tem causado situações desastrosas.

Outro ponto alto do artigo é a afirmação de que a educação deixou de ser uma questão dos brasileiros e se tornou propriedade dos professores e funcionários das escolas. Sem cobranças, a maioria deles acaba se acomodando em um sistema que não incentiva o mérito, nem pune o demérito: as únicas causas que defendem são as suas próprias. 

Causam preocupação certos programas como o Pacto nacional pela alfabetização na idade certa, que consistirá na distribuição de minibibliotecas para todas as salas de alfabetização do país e na capacitação de professores alfabetizadores. Um programa que consumirá anualmente 1,3 bilhões de reais. Já vimos aqui muitos "filmes" em que livros distribuídos para as escolas foram jogados no lixo, clique aqui para ver um caso bem recente. Outro mais antigo foi o programa LITERATURA EM MINHA CASA, em que os livros destinados pelo governo federal aos alunos da rede pública raramente chegaram ao seu destino. Quanto à capacitação de professores alfabetizadores, vamos acompanhar o caso bem de perto e cobrar do Secretário da Educação Básica do MEC, Cesar Callegari, a utilização correta e eficaz desses recursos. Para quem não conhece a trajetória dos 20 anos de atividades do EducaFórum, na década de 90 estivemos, junto com o então deputado estadual Cesar Callegari, cobrando do governo estadual paulista a manipulação e desvio de verbas destinadas ao ensino. O atual secretário é especialista no assunto e esperamos que  se preocupe em dar transparência ao destino dessas verbas bilionárias do governo federal, pelas quais é aliás responsável. Também nos preocupa a meta estipulada para a alfabetização plena dos alunos da rede pública: o 3º ano do ensino fundamental. Entendemos que projetos bem sucedidos conseguem alfabetizar os alunos já no 1º ou 2º ano. Mais uma vez, como diz Gustavo Ioschpe, o país mira muito baixo. Repito: nossas crianças não são retardadas e não merecem ser tratadas como tais!

Gustavo enxerga dois Brasis: um é cosmopolita, aguerrido, preparado e ambicioso. Ayrton Senna. O outro é provinciano, com baixa instrução, acomodado, satisfeito com o que a vida lhe deu. Macunaíma. Eu enxergo mais um: Rui Barbosa, culto, corajoso, humano, ético.

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