Um dia de Glória


Muitos sabem que nossa querida amiga professora Glória Reis, além de trabalhar voluntariamente pela educação, também criou e edita o Jornal Recomeço, que dá voz aos presos da cadeia de Leopoldina, onde mora.

Durante quatro anos, Glória sofreu um processo absolutamente kafkiano por parte de um juiz da cidade, que se sentiu ofendido por suas críticas às condições desumanas da cadeia. (Aliás, quem assistiu o Programa do Jô de hoje ouviu, de um VERDADEIRO JUIZ, que as condições prisionais no Brasil são piores do que no Congo.)

A boa notícia é que o processo da Glória foi finalmente extinto, o que porém só ocorreu após o caso ter sido divulgado na grande mídia e fora do país. Coisas do Brasil! A única certeza é que, sem essa divulgação, e se a Glória não fosse a pessoa corajosa e firme que é, sua condenação final seria certeira. São pessoas como ela que, às duras penas e com o próprio sofrimento, mudam aos poucos a cara deste país.

Mas a maior contribuição da professora Glória para a sociedade brasileira é o livro Escola, Instituição da Tortura, que deveria estar na cabeceira de todas as "autoridades" educacionais e dos secretários virtuais da educação que não ligam a mínima pelo pedagocídio sofrido por nossa infância e juventude nas escolas públicas brasileiras.

Leia a seguir o depoimento da própria Glória sobre a extinção de seu processo.

Em 17 de janeiro de 2008, a juíza de Direito do Estado de Minas Gerais,Tânia Maria Elias Chaim, proferiu sentença me condenando a quatro meses de prisão e multa por "difamar" o juiz José Alfredo Junger de Souza Vieira, em editorial no jornal Recomeço, dia 06/08/05. Acontece que o editorial não tem o nome do juiz que me acusou e o "crime" foi um dever de cidadão: denunciar as condições desumanas da cadeia local. Ou seja, não havia vítima, nem crime.

Está claro que um juiz, um promotor e uma juíza se uniram, usando do poder de seus cargos, para me condenar à prisão, sem que o Judiciário e o Ministério Público, enquanto órgãos da justiça, movessem uma palha para coibir o abuso de poder de seus pares.

Recebida a sentença, escrevi ao corregedor do TJMG, clamando por correção, não da sentença, é óbvio, mas do abuso de poder, do corporativismo e da incivilidade de seus juízes. Pois mesmo diante da minha carta, relatando as irregularidades no processo e o abuso de autoridade dos juízes em questão, recebi como resposta uma peça "primorosa" do Corregedor Desembargador José Francisco Bueno, "dando total cobertura" à conduta dos juízes a quem cabia investigar e corrigir para melhoria da justiça. " Não há nenhuma possibilidade de absolvição, embora eu nem tenha lido o processo", disse a juíza na audiência.
Seria engraçada se não fosse trágica essa parte em que o corregedor diz que a fala da juíza na última audiência, dizendo que eu já estava condenada antes mesmo de ler o processo, foi para me esclarecer sobre a eventual aceitação de uma transação penal ou de uma suspensão do processo (pág.3). Na justiça, é com ameaças que as pessoas são esclarecidas?

Foi preciso eu procurar justiça fora do estado e do país. Todos ficaram perplexos. Era inacreditável. Eu recebia inúmeros e-mails e telefonemas de apoio e, principalmente, pedindo confirmação, se era verdade aquela sentença absurda.

A sentença absurda chegou à OEA através da ARTICLE 19 - "uma organização não governamental de direitos humanos que trabalha na promoção e defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação e defende a descriminalização da difamação e o estabelecimento de padrões claros para o estabelecimento de multas em casos de difamação civil".

Sai no jornal Nacional: Judiciário é acusado de impedir liberdade de expressão, noticiando a excrescência jurídica denunciada na OEA: no Brasil, uma professora fora condenada à prisão por ter cobrado responsabilidade das autoridades frente às ilegalidades na cadeia local.

Em seguida, meu advogado, Dr. Nelson Vieira Neto, apelou da sentença.
Mês passado, após a revogação total da Lei de Imprensa (30/4/09), recebemos da apelação à sentença o seguinte despacho da justiça:

A ADPF 130/7 não está totalmente julgada, embora pelo número de votos já proferidos não se tenha mais como manter vigentes os artigos da Lei de Imprensa, que restarão revogados. Diante disto, a suspensão determinada pelo Relator será transformada em extinção do processo por inexistência de figura típica.

Só isso. Nem um pedido de desculpas.
Nossa justiça é primitiva.
Mais: pré-histórica.

Comentários

Edilva Bandeira disse…
"A vida é um combate que aos fracos abate, Que os fortes, os bravos. Só pode exaltar".
Te desejo uma vida de muita glória professora Glória.
Mil beijos