Gestão democrática - A exclusão dos pais e alunos


Ao anunciar uma nova "reestruturação" da rede pública de ensino, querendo repetir o fracasso do mesmo projeto executado há 20 anos, o Governo do Estado de São Paulo provocou a revolta dos estudantes, que ocuparam mais de 200 escolas durante o mês de novembro e fizeram manifestações de rua, rejeitando essa reforma que envolveria o fechamento de 95 escolas (em 1995 foram 150!) e a transferência de centenas de milhares de alunos. O Governo respondeu com violência, tentando arrombar as escolas ocupadas, atirando bombas de gás nos estudantes e os agredindo fisicamente durante as manifestações.

Quando a crise se tornou insustentável e a popularidade do governador Geraldo Alckmin despencou, o mesmo recuou, "suspendendo" a reestruturação. No entanto, muitos alunos receberam a informação de que já estavam sendo transferidos para outras escolas! Além disso houve vazamento do áudio de uma reunião interna na Secretaria da Educação, onde o Chefe de Gabinete, Fernando Padula, declarava "guerra" aos alunos. Tudo isso, somado à violência policial que tentou reprimir o movimento, deixou os estudantes totalmente inseguros quanto às reais intenções do governador, por isso diversas escolas continuam ocupadas. Os alunos estão cobertos de razão, ao cobrarem transparência e respeito por parte do governo!

Durante os últimos 20 anos, os alunos da rede pública paulista têm sido tratados como números por um sistema que lhes impede qualquer protagonismo dentro das escolas, apesar de a Constituição Federal garantir que a gestão educacional deve ser realizada, em partes iguais, pelos 4 segmentos da comunidade escolar: pais, alunos, professores e funcionários de cada escola. Essa gestão deveria acontecer através do Conselho de Escola, onde cada segmento elegeria seus pares. Na prática, porém - não apenas no Estado de São Paulo, mas basicamente em todo o país, a eleição dos pais e alunos nos Conselhos de Escola é fraudada pelos diretores, que escolhem a dedo os "representantes" que lhes convêm, ou seja, aqueles que dirão "amém" a tudo que eles decidirem. 

Essa manobra anula o caráter democrático da gestão das escolas, onde os pais e alunos são esmagadora maioria, mas costumam ser boicotados em sua representação! A manipulação feita pelos diretores de escola não é isolada, ela recebe o aval da Secretaria da Educação. Prova disso é que sempre encaminhamos essas denúncias à SEE e todo ano sugerimos que a eleição dos Conselhos de Escola seja realizada em um único dia em toda a rede. Somente dessa forma seria possível evitar fraudes, inclusive proibindo a presença dos diretores nas salas onde os pais e alunos elegem seus pares. Essa sugestão nunca foi levada em consideração, nem mesmo na saudosa época em que podíamos contar com a parceria do professor José Benedito de Oliveira, coordenador da extinta Cogsp. O José Benedito resolvia qualquer problema pontual, mas, mesmo concordando com a nossa sugestão, nunca conseguiu convencer a Secretaria a democratizar a eleição dos Conselhos de Escola.

Ao ocuparem as escolas, os alunos finalmente perceberam que são os verdadeiros donos: cuidaram das instalações, trocaram lâmpadas, consertaram canos, e durante as faxinas descobriram muitas coisas, como estoques "secretos" de material escolar e livros que deveriam ter sido distribuídos para os alunos, papel higiênico e sabonetes que nunca se viam nos banheiros da escola, etc. Isso demonstra que, de fato, não há Conselhos de Escola fiscalizando as compras das APMs e muito menos as verbas que chegam da SEE, da FDE, ou a verba federal para complementar a merenda, que deveria servir para comprar alimentos mais nutritivos, como frutas, iogurtes etc.

Por tudo isso, especialmente para repassar aos alunos conhecimentos que nunca receberam sobre a gestão democrática das escolas, segue novamente o artigo que publicamos no livro Educação 2007, da Editora Humana, www.humanaeditorial.com.br Infelizmente, o texto ainda não perdeu a atualidade e pode servir como uma primeira informação para os pais e alunos que ainda não sabem para o que serve e como deveria funcionar o Conselho de Escola.

GESTÃO PARTICIPATIVA NA ESCOLA: A exclusão da comunidade

Giulia Pierro e colaboradores*

A Constituição Federal, em seu Art. 205, prevê que a educação seja promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. O artigo 206 é mais explícito e fala do “princípio da gestão democrática do ensino público”. O Plano Nacional de Educação, que entrou em vigor em 2001, coloca como uma de suas metas prioritárias a criação de Conselhos nas escolas de ensino básico. Os Conselhos de Escola são constituídos por representantes de pais, alunos, professores e funcionários, incluindo a direção.

Mas... existe gestão participativa nas escolas brasileiras?

A gestão escolar é o conjunto de medidas tomadas para que a escola cumpra sua função. E por que tornar a gestão participativa, incluindo pais e alunos? Porque os pais são os principais interessados na formação dos filhos e os alunos são os "sujeitos" da escola. Todos sabemos, porém, que o Brasil tem leis demais e justiça de menos. As leis são, muitas vezes, ignoradas e deturpadas. Novamente: por que? Porque a “lei” que mais prevalece é a dos privilégios.

Em lugar de a escola estar voltada para o aluno e aberta para a comunidade, quem se apropria dela é uma classe docente e uma direção geralmente autoritárias. Então, o foco se perde e o que prevalece são objetivos e práticas que não contribuem para a formação do aluno. Isto começa no topo da pirâmide, com secretários e assessores da educação que raramente têm alguma experiência em sala de aula: burocratas de plantão.

O problema seria menor se essas autoridades se dispusessem a sair de seus gabinetes e a visitar as salas de aula ou, ao menos, receber e ouvir a opinião dos pais. Mas a prática, no Brasil inteiro, é exatamente ao contrário: secretários, assessores e delegados de ensino costumam limitar-se a atender ordens superiores, já que seus cargos são de confiança dos governantes. Além disso, seus próprios filhos estudam na rede particular, portanto, para eles a escola pública é uma ilustre desconhecida.

Alguns Estados mantêm ouvidorias, chamadas pelos pais de “surdorias”, pois o ouvidor é sempre um funcionário da própria Secretaria da Educação, portanto, impossibilitado de exercer o cargo com a isenção devida, ferindo o conceito básico de ouvidoria, que é investigar carências e denúncias de abusos nos serviços públicos. Esses órgãos não se dão ao trabalho de checar as denúncias e permanecem na espera de relatórios de supervisores, que geralmente apresentam apenas o testemunho do corpo docente, sem registrar o depoimento do aluno e da família.

Mas por que iniciar um artigo sobre gestão escolar falando de autoritarismo e denúncia? Porque esse é o dia-a-dia da rede pública de ensino, onde há autoritarismo demais e denúncias de menos. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal 8069/90), que todos os educadores deveriam conhecer, não é lido dentro das escolas e muito menos implementado. Uma pesquisa feita recentemente revela que entre mais de 30 educadores da rede pública e particular em sete Estados, todos disseram saber da existência do ECA, mas apenas cinco responderam que o leram na íntegra. O estatuto determina, por exemplo, que o acesso do aluno à sala de aula não pode ser impedido em nenhuma hipótese, inclusive na falta de uniforme. No entanto, este é um dos motivos mais freqüentes que mantêm estudantes fora da escola.

Outro problema identificado é a “lei dos privilégios” na área educacional. Ela se manifesta em dois aspectos: o primeiro é o DIREITO À FALTA do professor, que causa o fenômeno mais típico da rede pública de ensino – a falta de aula, denominada AULA VAGA, responsável por reduzir de 20% a 40% a carga horária do ano letivo. A situação é tão grave que a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, por exemplo, achou por bem proibir que se mencione a expressão “aula vaga”.

O DIREITO À ESTABILIDADE do funcionalismo é o segundo grande diferencial da escola pública, responsável pela manutenção na rede de profissionais incompetentes, relapsos, omissos e até perversos. A professora Glória Reis (co-signatária deste artigo) relata a fala de uma colega que havia sido convidada a trabalhar em um banco: “Não vou sair da escola, pois aqui eu posso até matar uma criança, que nada me acontece.” Outro grave problema é a manutenção na rede de profissionais “readaptados”, muitos em recuperação psiquiátrica, que deveriam estar aposentados por invalidez ou colocados em gabinetes, nunca em contato com crianças e adolescentes. Sempre que se toca neste assunto, levanta-se o brado da corporação, revelando que a manutenção dos privilégios é mais importante do que a integridade dos alunos.

Por todos esses motivos, uma escola voltada para o aluno exige a participação dos pais e a única forma eficaz é tornar realmente democrática a eleição dos Conselhos de Escola. Mas essa participação costuma ser vetada já na falta de convocação para a eleição. Existem várias formas de praticar o boicote: encaminhar a convocação aos pais com menos de uma semana de antecedência; enviá-la através de tirinhas de papel de 5 cm ou então, simplesmente, não entregá-la, mentindo depois a respeito. Todos esses casos foram testemunhados pelos pais e responsáveis que assinam este artigo.

Os diretores têm medo de perder as rédeas da gestão da escola e sua autoridade sobre alunos e professores. Assim, em muitas instituições se faz uma campanha “interna” e ilegal, ou seja, os representantes dos pais (geralmente os mais manipuláveis) são escolhidos a dedo pelos diretores conforme sua conveniência ou pelo valor de sua contribuição monetária para a Associação de Pais e Mestres. Sabemos, por experiência própria, que os pais que se dispõem a doar valores significativos para a escola são mais bem-vindos. Mais uma vez, impera a lei dos privilégios. Quando a direção não consegue eleger os responsáveis que “lhe convém”, são usados truques para impedir a participação às reuniões, como enviar a convocação sem descrever a pauta ou encaminhá-la somente a alguns.

No entanto, é comum a escola convocar todos os pais para prestar serviços gratuitos, como fazer faxina, costurar cortinas, arrumar a fiação, arrecadar fundos. Mas a sua colaboração deve e pode ir muito além. Aliás, hoje a maioria das escolas do País recebe fundos suficientes para sua conservação e essas verbas precisam ser fiscalizadas, bem como as reformas ganhas em licitações, que as empresas costumam subempreitar, dividindo o “bolo” e adquirindo materiais de péssima qualidade. Tendo o apoio dos pais, os bons diretores terão mais coragem de coibir eventuais abusos que já tiverem recebido o aval de seus superiores.

O aspecto da gestão escolar em que os pais costumam ser mais excluídos é a proposta educacional da escola, embora o Artigo 53, parágrafo único, do ECA lhes garanta o direito de participar. Geralmente, professores e diretores acreditam que os pais não estão à altura da discussão, quando não é necessário ser um profissional para perceber as enormes falhas do ensino, comprovadas pelos índices oficiais.

Na verdade, a esmagadora maioria das escolas públicas não tem proposta educacional devido à grande rotatividade de diretores e professores. Alguns educadores empreendedores implantam projetos próprios em suas salas de aula e tentam abri-los para os demais, mas muitos esbarram na indiferença, no ciúme dos colegas ou na falta de apoio da direção, que poderia favorecer um trabalho interdisciplinar e estruturar um projeto pedagógico para toda a instituição. Infelizmente, o corporativismo da classe costuma funcionar somente a favor de seus próprios interesses e, mesmo assim, os profissionais queixam-se constantemente de serem desvalorizados ou explorados. O que os pais esperam, na verdade, não é abnegação nem sacrifício, mas empenho, seriedade, profissionalismo e, principalmente, resultados.

Algumas escolas conseguem elaborar um projeto pedagógico próprio, que fica em vigor, geralmente, enquanto dura a mesma direção que o implantou. Alguma semelhança com a administração pública deste País, em nível municipal, estadual ou federal?...

Resumindo, existem dois aspectos principais da gestão escolar que necessitam da participação dos pais e alunos, a fim de permitir a continuidade dos bons projetos e a denúncia de abusos e desmandos:

1. O aspecto administrativo, que abrange a conferência e o uso adequado das verbas e materiais recebidos pela escola; o controle das atividades desenvolvidas fora da sala de aula, como a entrada e saída dos alunos, o recreio, a questão da merenda, a limpeza e manutenção de cozinha, banheiros; problemas graves devido à falta de reformas, etc.

2. O aspecto pedagógico, que abrange a elaboração de uma proposta educacional conforme os anseios da comunidade, a dificuldade de aprendizagem dos alunos, a aula vaga, a mudança de professor no meio do ano letivo ou a falta de um educador durante um longo período de tempo, o fechamento da biblioteca ou da sala de informática por falta de manutenção ou de funcionários, as excursões (anti)pedagógicas organizadas apenas para angariar fundos ou para “complementar” o ano letivo.

Considerando que a classe docente costuma rejeitar a participação da comunidade na gestão das escolas, o convite aos pais e responsáveis precisa partir das maiores autoridades educacionais, com a garantia de apoio incondicional, pois os responsáveis costumam desistir de enfrentar o autoritarismo da direção das escolas. A desistência se deve ao medo das represálias e perseguições que costumam atingir o lado mais fraco: o aluno.

Soluções para a efetiva implantação da gestão participativa nas escolas:

1. Para que a comunidade se sinta bem-vinda na gestão escolar, o Ministério da Educação precisa fazer um pronunciamento nacional no começo de cada ano letivo, falando sobre a importância da participação dos pais e responsáveis nos Conselhos de Escola. Por sua vez, os governos estaduais e municipais precisam fazer campanhas de divulgação das eleições dos Conselhos de Escola, estipulando uma única data para todas as escolas da mesma cidade ou rede e distribuindo folhetos explicativos. Cada governo poderia usar uma pequena parte de suas verbas publicitárias a fim de promover a gestão participativa na escola.

2. É absolutamente necessário criar ouvidorias estaduais e municipais, independentes e desvinculadas da rede de ensino, para que a comunidade possa denunciar abusos e irregularidades.

3. A escola precisa divulgar sua proposta educacional e incluir no calendário escolar as reuniões de Conselho de Escola, para que os alunos, pais ou responsáveis possam efetivamente participar.

A soma dessas ações poderá permitir um controle social efetivo da educação como serviço público, hoje tratado como um mero favor.

No mais, entendemos que a avaliação pedagógica é fundamental e neste aspecto são bem-vindos os diversos instrumentos em vigor: Prova Brasil, Pisa, Saeb, Saresp, etc. Mas, de que adianta o diagnóstico sem buscar soluções efetivas? O único que costuma ser sistematicamente responsabilizado pelo fracasso escolar é o aluno, quando seu desempenho deveria servir para avaliar a qualidade das escolas e o trabalho do professor.

A escola, como toda instituição pública, precisa estar sujeita a mecanismos de controle e correção pelas autoridades e ser fiscalizada pela própria sociedade. Essa, infelizmente, ainda não se conscientizou de quanto é prejudicada por um sistema de ensino autoritário, engessado e excludente. Aliás, o papel da escola vai muito além de alfabetizar e transmitir conhecimentos: é orientar seres humanos para um mundo mais justo e solidário. Para isso, precisa dar o exemplo, pautando-se na justiça e na solidariedade humana.

Giulia Pierro – Coordenadora do EducaFórum e autora do livro O estuprador. Para mais informações,  mande e-mail para educaforum@hotmail.com
* Colaboradores:
Caroline Miles – Coordenadora do site Pais Online. Para mais informações, mande e-mail para paisonline@hotmail.com
Cida Gomes - Coordenadora do Movimento Ideamos. Para mais informações, mande e-mail para mpideamos@hotmail.com
Cremilda Estella Teixeira - Coordenadora do blog Cremilda Dentro da Escola. Para mais informações, mande e-mail para cremildaestella@hotmail.com
Glória Reis – Professora e autora do livro Escola, instituição da tortura (Editora Scortecci). Para mais informações visite http://gloria.reis.blog.uol.com.br/
Mauro Alves da Silva - Coordenador do Movimento Comunidade de Olho na Escola Pública. Para mais informações, mande e-mail para gremiosd@ig.com.br
Vera Vaz - Autora do livro A escola do saber. Para mais informações, mande e-mail para veravaz@uol.com.br

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