Para a Presidente Dilma - Mensagem de avó para avó



Cara Dilma,

      Certamente temos algo em comum: ambas somos avós e lutamos pelo progresso de nossa gente (o que é o país, se não sua gente?). É de avó para avó que gostaria de comentar com você um assunto bem delicado.
     Em primeiro lugar quero parabenizar você por ter pautado sua campanha pela luta contra a corrupção. Mas... em momento algum você mencionou o maior caso de corrupção que assola o país... Não se preocupe, não estou me referindo ao mensalão, em linguagem popular diria que esse é "fichinha”! Vou lhe mostrar como, através de um ato de coragem, qualidade que parece possuir, você poderia passar à História como a presidente que devolveu ao Brasil a soberania e o merecido lugar de 7ª economia mundial, acabando com o vergonhoso 84º lugar no IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, ou seja, de um país que oferece ao seu povo péssimas condições de educação, saúde, saneamento etc. Vê se você aguenta uns 15 minutinhos de leitura, tá?
      Certamente você não me conhece. Há mais de um quarto de século sou ativista na educação e mantenho o blog EducaFórum. Há pouco mais de um ano, porém, me assombrei com esse caso de corrupção de que vou falar e me tornei membro do Núcleo São Paulo da Auditoria Cidadã da Dívida, que você deve conhecer, pois em agosto do ano passado recebeu esta carta oficial da nossa instituição, tratando justamente deste assunto.
      Esta minha mensagem, porém, não é nada oficial, é meio que uma conversa de comadres...
Pessoas que chegam à nossa idade após ver e experienciar de tudo, muitas vezes se recolhem, perdem a esperança no futuro e deixam de lutar. Não é nosso caso, aliás, não entendo por que tantas pessoas com larga experiência profissional, pessoas que estão na terceira fase da vida e não têm mais nada a perder, não pensam em dedicar um pouco do seu tempo para deixar um país melhor, ou até para reparar os próprios erros. Já pensou se milhares de administradores, economistas, advogados, juízes ou engenheiros aposentados, viessem publicamente contribuir na discussão e na cobrança do país que queremos, já que o nosso Congresso é... o que é, aliás você mesma acatou a ideia da reforma política após o “famoso” junho 2013, quando esperávamos que a voz das ruas fosse forte o suficiente para operar mudanças. Não foi! Continuamos à estaca zero, ou quase.
      Eu também fui às ruas junto com meu grupo, pedindo AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA, mas nossa voz não foi ouvida, pois a grande mídia nacional é cooptada pelo “governo” e pelas instituições financeiras, as reais beneficiárias desse grande “negócio” que é a dívida. Quer ver? Uma repórter da Folha de S. Paulo me abordou e perguntou: “O que a senhora está reivindicando?” “Auditoria da Dívida Pública”. Gastei um verbo explicando o assunto e ela respondeu: “Vou sugerir à chefia uma pauta especial sobre isso, qual é seu e-mail? Eu entro em contato.” Até hoje...
      Cara Dilma, quando disse que pessoas como nós não têm mais nada a perder, devo admitir que isto não se aplica a você, no momento. E, francamente, torço para que você continue sendo nossa presidente durante mais 4 anos, já vou explicando por que de forma bem singela, digamos, de avó para avó: esse Aécio não dá! Ele é cria de um cara que traiu suas próprias convicções, se é que as tinha... Mas não foi o único: seu antecessor (seu, de você) também fez isso, bem como você mesma, tanto que o Brasil inteiro está se perguntando quais são as convicções dos políticos que têm traçado a história deste país, após o término da nefasta ditadura militar.
     Vamos então aos fatos, totalmente desconhecidos da população, já que, como disse, a mídia está há décadas nas mãos do “governo”. Mas, opa! Será que todos os governos do país mandam na mídia nacional, desde a ditadura militar?... Ora, você bem sabe que quem realmente manda no país, há mais de 50 anos - é o mercado financeiro, apoiado pelo FMI, que “organiza” os grandes bancos. O FMI está no poder, efetivamente, desde o governo Geisel/Medici. Mas vamos às “convicções” daquele que pela primeira vez traiu o país, pois fora eleito pelo voto! Ele demonstrou sua hipocrisia já no governo Sarney, quando cumpria o papel de Senador. Falo aqui de FHC, que em 1989 assinou o relatório final da Comissão Especial do Senado, denunciando ilegitimidades, ilegalidades e fraudes que já naquela época formavam a base da dívida pública. Veja apenas este trechinho:
     “... o choque dos juros provocou uma elevação da dívida sem contrapartida real de bens e serviços. A partir desse momento (década de 70), a dívida externa brasileira assume um caráter eminentemente financeiro: os novos empréstimos, na verdade, são obtidos para rolar em grande medida e a nível agregado os juros e as amortizações”.
     Alguém se lembra disso? Não, a mídia não divulgou... Mas será que o próprio FHC se esqueceu??? Pois, em seu próprio governo, de 1995 a 2002, esse senhor foi responsável pela autoalimentação da dívida através de “rolagens” e juros sobre juros - a mesma prática que ele denunciou quando senador - sem que o país recebesse uma contrapartida. Fez pior! Ainda “vendeu” nossas estatais por títulos da própria dívida, que havia recomprado pelo valor real, após terem-se desvalorizado no mercado em até 80%! Cara Dilma, fica difícil explicar essa fraude para leigos, mas é claro que você vai entender tudo direitinho. Eu também só passei a entender do assunto após um ano de estudos e leitura dos livros da Auditoria Cidadã. Aprendi também que o Brasil não é a única vítima desse esquema fraudulento que atinge muitos países, até no chamado “primeiro mundo”: o SISTEMA DA DÍVIDA.
     Voltando a FHC, esse senhor vira-casaca não merece meu respeito! Estou falando aqui de um assunto específico, que é a dívida pública, mas você bem sabe que se trata do MAIOR problema da economia do país, pois consome mais de 40% dos nossos impostos a cada ano, apesar das ilegitimidades, ilegalidades e fraudes ainda hoje não auditadas.
     Lula, seu companheiro e sucessor de FHC, decepcionou mais ainda, pois ninguém esperava de um “não-liberal” o mesmo conluio com os banqueiros e o FMI. Mas, contrariamente às expectativas, Lula manteve essa aliança - e se o povo soubesse pegaria bem mal para ele, não é?... Então, para fingir que estava se desvinculando do FMI, em 2005 Lula “pagou” US$ 15,5 Bilhões ao FMI e divulgou que “a dívida externa estava quitada”. Dupla mentira que colou perfeitamente, graças à complacência da mídia nacional. Mas eis os fatos: o FMI era apenas um dos credores da dívida externa, que na época somava US$ 200 Bilhões. Lula, portanto, não “pagou” nem 10% da dívida! E por que coloquei “pagou” entre aspas? Porque, logo em seguida, esse valor foi trocado por nova dívida com os bancos internacionais, a taxas de juros entre 8% e 19%. Sabe quanto de juros o Brasil pagava para o FMI? 4%!!! Que negociata foi essa, Dilma? Você conhecia essa história???
    Fiz, especialmente para você, um breve histórico da dívida pública no Brasil, que você pode
acessar clicando aqui. Espero que você o leia e me dê um feedback. Usei essa expressão gringa porque você também, ao assumir o governo, seguiu a mesma cartilha de FHC e Lula, que é a cartilha do FMI: economizar nas áreas sociais, assim sobram recursos para aquela dívida que vai se avolumando monstruosamente, sem benefícios para o povo. Tudo pelo SUPERAVIT PRIMÁRIO, esse "fundo” que sangra o país e canaliza nossos impostos para o mercado financeiro.
     Cara Dilma, em nenhum momento da sua campanha eleitoral, que prega a luta contra a corrupção, você se comprometeu a auditar a dívida, e isso me faz pensar que pretende continuar não levando em conta as ilegitimidades, ilegalidades e fraudes constatadas por diversas CPIs. Você também não sinalizou que pretende diminuir os juros extorsivos – os mais altos do mundo! – que o Governo Federal cobra dos estados e municípios, mais uma montanha de dinheiro que está destinada ao superávit primário. Agiotagem contra os entes federados, enquanto o BNDES oferece juros tão baixos para figuras como Eike Batista?... Ora, Dilma!
    Além disso tem o mensalão, sua aliança com figuras nefastas como Paulo Maluf e o bolsa-família, que ajudou, sim, mas no fundo é um paliativo. Por que, então, torço por você? Como já disse, o Aécio não dá, ele está no auge da “carreira” política (até parece que ele é contra político de carreira! rs) e transpira gana pelo poder. Você, apesar de pertencer a um partido que demonstra a mesma gana pelo poder, teve algumas atitudes independentes e corajosas, como essa de aceitar a proposta de reforma política através de plebiscito: lembro de como o seu vice e o seu partido tremeram nas bases, aquela hora!... Mais: você teve coragem, em algum momento, de baixar a taxa SELIC e desafiar a ira do mercado financeiro. Outra atitude que deixou o mundo de queixo caído foi quando você peitou o Obama sobre a invasão de privacidade. Depois disso até a Angela Merkel catou coragem e esfregou o celular na cara dele. Você foge ao padrão de político convencional!
     Então eu te pergunto: quantos anos ainda você pretende ficar no poder? E que país você quer deixar para as novas gerações? Se eleita, com que recursos você vai fazer as reformas sociais que prometeu? Como, se em todos os anos do seu governo a União gastou mais de 40% do orçamento federal com a dívida pública, prejudicando as áreas sociais? Eu não perguntaria isso para o Aécio, pois a resposta seria certamente uma mentira, a mesma que FHC nos impingiu nos anos 90, quando estreitou laços com o FMI e os bancos internacionais. Provavelmente ele faria mais empréstimos de maneira fraudulenta e daria um jeito de abafar o assunto, bem à moda tucana!
     Cara Dilma, que tal você resgatar seus ideais de democracia e cidadania, resgatar a soberania nacional? Você é o último elo dessa corrente que está espoliando o país há mais de 50 anos, pegou o bonde andando e ficou no governo a metade do tempo que FHC e Lula, por isso é a menos responsável por todo esse lamaçal. Se no primeiro mandato você se omitiu, eu te proponho um último, extremo ato de coragem: não, não é o calote da dívida! Essa, sim, seria uma atitude irresponsável e desastrosa. O que proponho é a AUDITORIA da dívida, feita de forma cidadã, com a participação da sociedade e ampla divulgação na mídia. Para que saibamos a quem devemos, por que devemos e quanto é justo pagarmos; para que deixemos de alimentar um sistema financeiro insaciável e corrupto. Como você pode falar em “corrupção zero” e sustentar o maior caso de corrupção que assola o país? Faça como o Equador, que auditou e conseguiu reduzir sua dívida em 70%! Fique de olho no resto do mundo: veja como a Noruega, espontaneamente, cancelou a dívida de mais de 5 países, e como outras nações estão reagindo contra o SISTEMA DA DÍVIDA. Este século será o da “virada”, pois a humanidade não suporta mais tanta concentração de renda. Não é contra isso que você dizia lutar?
     E então? Que tal entrar na História como a presidente que devolveu a soberania ao país, que resgatou seu IDH e ofereceu igualdade de condições para todos os cidadãos? Ou pretende continuar alimentando o projeto de poder de seu partido e a submissão ao capital financeiro?...

     Com alguma esperança e um forte abraço de avó para avó,

Giulia Pierro
EDUCAFÓRUM


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