Mídia nota zero - A série XXIII - O "furo" da VEJA


No final do post O bom exemplo eu havia prometido contar a história da pior medida que prejudicou os alunos do ensino médio no país. Uma história que me dói profundamente ainda hoje, quase 15 anos depois!

Naquela época, o Brasil ainda era visto como o "país do futuro" e nós, pais de alunos engajados, fazíamos todos os esforços possíveis para tornar isso realidade. Uma das minhas filhas estudava na ETEC Carlos de Campos, no curso de design integrado ao ensino médio. As ETECs estavam, como ainda hoje, ligadas à Secretaria da Tecnologia e não à da Educação. Eu podia comparar pessoalmente a diferença de qualidade entre a ETEC e o ensino médio regular. Mas a grande diferença mesmo era o alunado: jovens que, como essa minha filha, já sentiam interesse por um determinado ramo de atividade.

Havia porém uma grande falha no ensino técnico estadual de São Paulo: a falta de vagas e o elitismo, pois o ingresso era através de vestibulinho. Na mesma época, a Secretaria da Educação chegou a fechar mais de 300 escolas de ensino regular, entre a gestão Neubauer e Chalita. Nossa reivindicação era a seguinte: que as ETECs passassem para a SEE e que as escolas fechadas fossem utilizadas para ampliar o número de cursos de ensino técnico integrado ao médio. Ou então que, no mínimo, as duas secretarias fizessem uma parceria. Ninguém nos ouviu, até que chegou a bomba:

O MEC havia decidido acabar com o ensino técnico integrado ao médio!!! Como assim??? A única opção para os alunos que não pretendiam cursar a universidade, ou seja, a grande maioria no país!!!

Não deixamos barato, exigimos e fizemos diversas reuniões com a coordenação do projeto aqui no MEC em São Paulo. Infelizmente, o único jornal que nos acompanhou nessas reuniões foi o finado Diário Popular, o único que se preocupava de fato com o assunto educação. Nesse sentido, hoje estamos completamente órfãos!!

Estavam presentes às reuniões pais de alunos de muitas ETECs, da Escola Técnica Federal e de escolas particulares. Não lembro bem o nome do coordenador do MEC que discutiu o assunto conosco, me parece que era Roger Ferreira, não consegui rastrear o nome dele na net. Talvez ele "explodiu" no ar, pois parecia realmente um balão, rsrs (rindo para não chorar...).

O motivo do MEC para acabar com o curso era o seguinte: "nem o ensino médio nem o técnico seriam de qualidade, portanto seria melhor separar os dois cursos e otimizar cada um". A estratégia criada é a hoje vigente: o aluno que queira matricular-se num curso técnico só pode fazê-lo após terminar o ensino médio. OU então, a partir do segundo ano do ensino médio regular, fazer os dois cursos concomitantes, isto é, o médio num período e o técnico noutro período.

Rebatemos o motivo alegado pelo MEC com os melhores argumentos, argumentos de pais de alunos que conheciam toda a realidade do ensino, não apenas através dos nossos filhos, mas de uma rede que já na época nos trazia informações de todo o país:
  • Os cursos de ensino médio integrado ao técnico ERAM, em média, OS MELHORES DO PAÍS. (Hoje o ensino médio está uma lástima e não precisamos provar isso.)
  • Muitos dos alunos que escolhiam fazer um curso técnico de nível médio não pretendiam cursar uma faculdade. Esses cursos eram uma forma real de INCLUSÃO e seu fechamento teria um efeito desastroso. (Como de fato teve.)
  • Poucos eram (e ainda são) os jovens brasileiros que podem se dar ao luxo de estudar em tempo integral. Essa medida do MEC seria (e tornou-se) uma forma efetiva de EXCLUSÃO.
  • Mesmo assim, considerando a possibilidade de os alunos estudarem em dois turnos, mapeamos o Brasil inteiro para o "balofo" do MEC e provamos por A+B que pouquíssimas escolas de ensino técnico estavam tão próximas de escolas de ensino médio, para que o aluno largasse um curso às 12:00 e estivesse às 13:00 em outro. De que forma?? Correndo e sem alimentação?? E ainda discutindo com as "jararacas" das secretarias que não deixam entrar em sala de aula com mais de 5 minutos de atraso??...
Não adiantou! O "balofo" voltou para Brasília com os nossos argumentos mas respondeu laconicamente que o mais importante era o "incremento da qualidade que o MEC almejava, tanto no ensino médio, quanto no técnico".

Fizemos passeatas em praça pública, que também não deram em nada. A população não entendia a gravidade do assunto e a mídia estava (como ainda hoje) anestesiada. Lembro bem de uma repórter da Folha de São Paulo que convidamos para nos acompanhar e que ficava bocejando o tempo inteiro. De qual balada ela estaria vindo?...

Mas a bronca de hoje é com a VEJA, que apareceu com um "furo de reportagem" mostrando que o ensino médio está falido. Nem vale a pena rebater item por item! A matéria é tão ruim que o título diz "É preciso preencher a cabeça deles (dos alunos?)" e termina com a citação de Montaigne: "Uma cabeça benfeita vale mais do que uma cabeça cheia", rsrs...

Onde estava a VEJA quando pedimos desesperadamente apoio na época do fechamento do ensino médio integrado??? Alô, alô, Valéria França?...

E agora vem Claudio de Moura Castro falar do ensino médio "sabor jabuticaba". Onde ele ficou esses anos todos, vendo o ensino médio afundar? Vendo os sindicatos impingir ao aluno matérias "importantes" como a sociologia, para favorecer sociólogos que nem sequer dão conta de explicar ao aluno o marasmo em que ele foi atirado???

Onde está a Revista Nova Escola, a mais lida do país, com seu estilo Polyana que não lhe permite colocar o dedo na ferida???

Onde está a Revista Educação, com seus ilustres acadêmicos, como por exemplo aquele que elogiou a nossa luta mas não nos autorizou a divulgar seu comentário???

O Brasil e principalmente São Paulo perderam mais 15 anos em que o mercado de trabalho poderia ter recebido milhares de jovens bem preparados para alguma profissão e minimamente instruídos para comunicar-se com o mundo.

Ah! Esqueci de informar aos incrédulos: a escola de ensino médio de meus outros dois filhos, a EE Manoel de Paiva, foi uma das fechadas pela SEE. Mas foi apenas uma, de mais de 300. O número exato está escondido a mais de sete chaves! Nenhum dos exmos. deputados da Assembléia Legislativa nos deu essa informação. Pudera: um deles é o "Bonitinho, mas ordinário", rs...

Nossa última esperança na mídia é Gustavo Ioschpe, que até hoje mostrou firmeza em suas posições lúcidas, mas nos deixa preocupados enquanto "filhote" da VEJA, essa revista que, como os demais meios de comunicação brasileiros, finge ter algum compromisso com a educação.

Pois é, como diz o amigo Mauro Silva, com toda propriedade, filho de jornalista não estuda na rede pública...

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