A escola tabu nº 21 - Sábias palavras


Recebemos de um pai de aluno, professor aposentado, uma longa mensagem que ajuda a desmascarar o atual sistema de ensino. Não concordamos com alguns dos seus pontos de vista, pois afirma que o estado "não tem competência para gerir a educação" e por isso defende a privatização. Ao contrário, acreditamos que o que falta é vontade política e um dos motivos é o lobby da escola particular, uma das maiores causas de corrupção do sistema. Mas alguns trechos da mensagem valem por uma radiografia e só poderiam ser escritos por alguém que conhece a rede pública por dentro, como pai de alunos e professor. Parabéns, Augusto, por sua lucidez nas colocações, saiba porém que seu apelo para os supervisores de ensino é infelizmente inútil, pois as diretorias de ensino são LATAS DO LIXO DA EDUCAÇÃO: os supervisores só visitam as escolas para obterem ganhos pessoais e no mais fazem o jogo da escola particular, onde estudam... seus próprios filhos!

Alguns trechos da longa mensagem de Augusto:

Os funcionários públicos obtêm direitos em excesso: licenças para tratamento de saúde em demasia, licenças-prêmio, faltas médicas em excesso e uma série de outros benefícios, que no final das contas quem acaba pagando por isso é o filho do pobre que não dispõe de recursos financeiros para estudar em uma instituição de ensino particular. Os alunos têm ido para a escola, mas quase todos os dias voltam muito cedo para casa em virtude da ausência de professores. Muitos nem voltam para a casa, pois ficam perambulando pelas ruas e expostos a todo tipo de perigo.

Essa questão das licenças é um problema gravíssimo, haja vista o número astronômico de professores em licença para tratamento de saúde (a maioria em virtude da insuportável situação em que se encontram as escolas) e fica difícil saber o que é justo e o que não é, pois há muitos abusos. A catástrofe chega ao ponto de vermos uma mesma hora-aula sendo recebida por três ou quatro professores de forma simultânea (é o substituto do substituto, do substituto...). Dinheiro público indo para o ralo!

A escola hoje vive um clima de final de guerra onde tudo está arrasado, em ruínas. São professores e funcionários descontentes, alunos desmotivados ou violentos, autoridades incompetentes, governo demagogo. É claro que ainda há escolas públicas que conseguem se superar, apesar dessa política assassina, mas essas escolas são cada vez menores e isso ainda acontece graças à competência de diretores e professores que estão se tornando cada vez mais escassos, pois muitos profissionais de boa qualidade estão abandonando a rede pública de ensino, devido aos baixos salários e por não concordarem com essa criminosa política, além das gravíssimas questões estruturais das escolas públicas.

A verdade é que a grande maioria está totalmente contaminada. O governo apresenta números MENTIROSOS a seu favor, obtidos através de fraudes, que não correspondem à realidade. Fala-se muito em recuperações paralelas, quando o governo contrata professores extras para tais recuperações, porém, o que se vê na prática é uma grande tapeação. Essas recuperações, em sua maioria, não funcionam. Os alunos não freqüentam essas aulas. Os professores contratados ficam apenas cumprindo o horário na escola, mas sem alunos. Tenho visto isso na maioria das escolas. São muito raras aquelas escolas que conseguem realmente recuperar um aluno. O que ocorre na grande maioria é que as escolas acabam por fornecer dados capciosos, para não dizer mentirosos, aos sistemas de informatização da Secretaria Estadual de Educação, onde informam que a recuperação foi bem sucedida, apresentando, como sempre, informações completamente fora da realidade. A fiscalização ou supervisão disso tudo praticamente não existe e a mentira acaba sempre prevalecendo.

Também há os livros de leitura (geralmente literatura brasileira), muito bons por sinal, tendo em vista que são grandes clássicos da literatura e que poderiam ser muito bem trabalhados pela escola. Porém o que se vê é um gigantesco vilipêndio dos diretores, dos professores, dos supervisores. Esses livros passam praticamente o ano todo encaixotados, mofando em um cubículo qualquer da escola. Quando há uma reclamação de pais ou mesmo de alunos, resolve-se distribuir esses livros apenas para se livrar do problema. Não há nenhum critério na distribuição desses livros e o que acontece em grande escala é que muitos alunos, logo que recebem esse material, simplesmente jogam no primeiro latão de lixo que aparece pela frente, ou então, por total ignorância (porque o sistema assim favorece) rasgam todo o livro e jogam pelo pátio da escola. Penso que esse material é de grande valia e que deveria fazer parte de um projeto que realmente fosse eficaz, porque as aulas do Projeto Hora da Leitura também são uma piada. Esses projetos ficam apenas no papel e no holerite do professor e do diretor. As escolas não incentivam a leitura, salvo raríssimas (mas raríssimas mesmo) exceções.

Não posso também me calar diante da questão dos computadores instalados nas escolas, que a princípio deveriam fazer parte de um projeto que tornasse as aulas mais atrativas e educativas para os alunos, contudo, o que se vê na maioria das escolas é que os mesmos viraram apenas decoração. As escolas não conseguem (ou não querem) utilizá-los de forma a dar aos estudantes uma alternativa de ensino, para que esses se sintam mais estimulados. As aulas poderiam se tornar bem mais ricas com a Internet, ferramenta muito interessante, se usada de forma útil. Vejo que há muitos programas de capacitação para professores, mas que ficam apenas na propaganda governamental, pois esses professores, salvo raras exceções, pouco se interessam em levar novos conhecimentos às salas de aula. Na verdade, essas capacitações têm servido realmente apenas para que docentes evoluam financeiramente em suas carreiras. Para o aluno, muito pouco é levado.

São diversos problemas estruturais: esse caso dos computadores, salas de leitura que não funcionam adequadamente e há também mais um enorme engodo: a chamada ESCOLA DA FAMÍLIA, que é mais um projeto fantasioso, onde as escolas abrem aos finais de semana para que a comunidade possa interagir, mas o que se constata é que isso também é muito bonito na propaganda; na prática é um fracasso e um absurdo desperdício de dinheiro. Há uma despesa gigantesca com esse projeto. O diretor de escola comemora, pois ele ganha uma remuneração extra com esse projeto, onde o mesmo deve estar presente em todos os finais de semana, porém, só fica mesmo o espírito do diretor porque a sua matéria fica em outro lugar, menos na escola.

Outra questão gravíssima: o calendário escolar é composto de duzentos dias letivos, no entanto, isso é mais uma ilusão, pois quando estamos chegando ao final (geralmente em meados de novembro) algumas escolas e alguns professores, de forma ardilosa, incentivam seus alunos a não mais comparecerem. Mais um belíssimo exemplo de como se tornar um marginal.

Referi-me acima à questão dos excessivos benefícios que são dados a funcionários públicos, consequentemente professores que vêm faltando em demasia. Há uma absurda defasagem no conteúdo programático. Aulas são perdidas em conseqüência dessas excessivas faltas e licenças. A escola acaba ficando refém de professores eventuais que acabam dando aulas de tudo, independente de sua licenciatura (habilitação). Muitas escolas nem conseguem mais colocar tantos eventuais. Uma legião de jovens conclui o ensino médio sem saber ler e escrever corretamente. Há uma política horrenda de distribuição de diplomas, onde dirigentes regionais de ensino, supervisores e diretores de escola passam o ano todo praticando ações criminosas a fim de obter, ao final do ano, um índice satisfatório de promoção de alunos para que se consiga assim um generosíssimo bônus pago pelo governo, em recompensa à falsa taxa de sucesso obtido. Todo mundo ganha com isso: dirigentes, supervisores, diretores, professores, funcionários, governo que se aproveita dessa mentira para jogar futuramente no palanque eleitoral. Só não ganha com isso a educação; só não ganha com isso o aluno analfabeto, mas com diploma; só não ganha com isso a sociedade ignorante. Uma derrota para a honestidade, para a ética, para a probidade; um desserviço para o nosso país.

O governo diz que todas as aulas perdidas serão repostas, mas o que acontece nessas reposições é uma banalização geral: são marcadas aulas de reposição em período diverso daquele em que o aluno estuda e o que se vê é o que eu chamo de JOGO DO FAZ DE CONTA. Os alunos não comparecem a essas aulas, por conseguinte o professor faz de conta que a aula está reposta, o diretor faz de conta que não está vendo, o supervisor muito menos e tudo termina por aí. Isso já vem acontecendo, inclusive com as chamadas reposições de faltas de greve dos professores. O professor que faz greve (e todo ano acontece) tem o prejuízo, mas acaba recuperando depois com essas falsas reposições. As escolas geralmente não incentivam, muito menos exigem dos alunos o comparecimento nas reposições. O professor, claro, comemora. E como fica aquele calendário de duzentos dias? E como fica o conteúdo perdido?

Sei que o salário dos professores é ridículo diante de tantas responsabilidades, mas também sei que hoje em dia qualquer desclassificado pode adentrar a carreira do magistério. Têm muitos maus-caracteres se passando por professor. Tornou-se um emprego muito fácil de obter. Basta fazer uma faculdadezinha de beira de estrada (e têm muitas pelo Brasil afora), pagar mensalmente e o diploma está garantido. Depois é só se inscrever na Diretoria de Ensino e participar das Sessões de Atribuição de Aulas, o que eu costumo chamar de feira livre, pois aulas são tratadas como mercadorias, onde se pega, larga, troca, desiste, pega outra melhor. É um desprezo geral, triste de se ver!

Com relação aos maus-caráteres citados no parágrafo anterior, gostaria de implorar aos diretores e supervisores que ficassem mais atentos, pois muitos estão fingindo que dão aulas ou as ministrando de forma inapropriada. Muitos chegam a se igualar ao mau aluno trocando vocabulários torpes e de baixo calão dentro da sala de aula, condenando os bons a conviver com essa indignidade que jamais vivenciaram no seio familiar. Existem também professores analfabetos ou semi-analfabetos dando aulas, inclusive de Língua Portuguesa; aliás, isso também se verifica em alguns diretores de escola. Assim fica difícil exigirmos qualidade no ensino se muitos profissionais nele inseridos não são do ramo. Também temos alcoólatras, pedófilos, viciados...

Gostaria muito que esses supervisores fossem nas escolas para realmente encarar os problemas de frente, ou como diz o dito popular: “botar o dedo na ferida”. Seria importante que esses supervisores se reunissem com professores e com a comunidade escolar, a fim de estabelecerem um caminho recíproco, ao invés de irem para a escola apenas para tratar de serviçinhos imediatistas e superficiais. Seria muito bom se o supervisor fizesse visitas periódicas às salas de aula, para ver com seus próprios olhos o caos instalado e partilhasse com o professor e com o diretor o desafio a ser vencido para que a bomba não fique apenas na mão do professor, que se vê totalmente desamparado. Seria muito bom se um dia acabasse o corporativismo entre supervisores e diretores de escola. Enfim, seria muito bom se um dia todos fossem profissionais na verdadeira acepção da palavra e não ficassem apenas correndo atrás de um bônus ilusório e tapando o sol com a peneira.

Nessas últimas eleições fiquei chocado em ver a absurda partidarização dentro das escolas. Professores fazendo política, puxando a sardinha para esse ou aquele partido e fazendo a cabeça de nossos alunos de forma tendenciosa. Isso é muito grave, o professor precisa ser imparcial nessas questões, não deixando transparecer a sua preferência e pior, colocando a sua imposição. Não estou dizendo que não se deve falar em política. É claro que deve! É salutar e extremamente necessário, mas a história precisa ser contada como ela realmente é, porém, sem distorções e sem malícia partidária; no entanto, o que eu vi foi uma pregação partidária descarada. Essa é uma prática característica de regimes ditatoriais, onde a verdade é manipulada, como no meu tempo de estudante (auge da ditadura no país), quando a real História do Brasil foi transfigurada. Precisamos nos libertar dessa educação que tivemos de sermos tutelados por figuras populistas que nos escravizam intelectual e eleitoralmente. A lavagem cerebral é, a meu ver, o crime mais hediondo de todos.

Precisamos de um Estado eficiente e capaz de fornecer bons serviços públicos para a população, pois essa é a razão de existir do Estado, e não de um Estado que somente serve de grandiosa genitora oferecendo tetas em demasia para mamíferos nocivos à massa contribuinte.

Comentários

Victorzazuela disse…
Parabens, cidadão Augusto. Sua análise, infelizmente, retrata a realidade. No quotidiano, porém, eleva-se á "ésima" potência os problemas aqui apontados.
Muitas diferenças separam a filosofia deste espaço com o blog de funcionários. As distãncias, no entanto, unem todos aqueles que lutam por uma educação de qualidade - que ainda está longe de ser verossímel.