Belíssimo depoimento!


O depoimento a seguir é do amigo João Barbosa, que já trabalhou na Febem feminina e faz um relato lúcido de sua estada na instituição. A Febem, que já foi RPM e hoje é Casa, é nossa velha conhecida: é para lá que costumam se encaminhados os alunos "rebeldes", os excluídos da escola e marginalizados da sociedade.

As datas comemorativas na Febem tinham peso de viaduto. Primeiro de ano, Carnaval, Dia das mães, dia dos pais, dia das crianças, Natal. Era problema. Uma espécie de descontentamento geral tomava conta. E todo cuidado era pouco. Aquele caldeirão de hormônios e emoções ia lentamente aquecendo e pronto pra a qualquer hora entrar em ebulição. A diretoria inventava alguns artifícios para amenizar essa fogueira, como os amigos secretos entre alunas e funcionários, onde o presente delas era o material produzido nas oficinas educativas e dos funcionários presentes comprados. Isso dava algum equilíbrio.

Mas a Febem é feita para não dar certo. E nisso os governadores e secretários de promoção se superam. A gente conseguiu através de uma "louca" de uma diretora tornar nossa entidade uma entidade modelo. 80% da meninas estavam trabalhando fora e se ressocializando, como manda a cartilha, índice de participação nas atividades internas, 100%. Sem registro de fugas há mais de três anos. Uma vez levamos as meninas para participar de um programa na Cultura, " Matéria Prima ", que era produzido pelo Serginho Groisman e apresentado pelo Kid Vinil e Dadá Cirino, os temas eram vida e música de compositores brasileiros. Nossos temas foram Cartola e Jorge Ben, as meninas foram ensaiadas para responder e cantar. Ganhamos os prêmios. Muita culpa disso foi do Matias Capovilla, um músico cuja sensibilidade contagiou a todos, que montou uma puta banda para nos acompanhar. Ganhamos um aparelho de som da Gradiente. Vencer era importante prá elas... Participamos também de um festival de musica infantil do Sesc e da Rádio USP, Matias novamente apoiando. Ficamos em terceiro, concorrendo, por exemplo, com Mario Manga e uma menininha cantando, que depois virou a Maryana Aydar, defendendo uma música dele.

Enfim, aquele unidade pegava fogo cultural também. Mas, com a mudança de governo e sotaque (cada vez, que mudava o secretário da pasta, ele nomeava o povo de sua cidade, geralmente do interior de São Paulo), transferiram todos os profissionais da unidade. Mudança de orientação.E aí voltou às manchetes: rebeliões, fugas etc.

Podem mudar o nome, pois já foi RPM ( Recolhimento Provisório de Menores), FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) ou CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). O colchão queimado é o mesmo e na sua simbologia a fumaça se perde junto com as soluções mágicas.

João Barbosa

Comentários

Metas - Bernake disse…
Olha eu me emocionei a ler essa declaração, queria que tivessem mais pessoas como essa diretora e grupo de profissionais...

Mas infelizmente o que temos são pessoas que só se preocupam com seu umbigo.

Parabéns pelo texto.
Anônimo disse…
Parabens pelo texto.
Só quem um dia, ja teve a experiencia em ter um filho, seja por um dia ou 45 dias aguardando pela decisão de um juiz, é quem vai saber o valor e a importancia em se ter alguem realmente habilitato para desenvolver esse tipo de trabalho, enquanto os internos não passarem de numeros, jamais teremos reabilitação.